Bissau e Bolama em 1930 e Bafatá em 1932 foram as primeiras cidades a fornecer eletricidade ao público na Guiné. Apesar da pequena dimensão das centrais, a administração via-se a braços com vários desafios técnicos e socais para assegurar o funcionamento regular dessas redes.
As primeiras centrais elétricas – Bissau, Bolama, Bafatá
Bissau inaugurou o seu serviço público de eletricidade em março de 1930. A Sociedade Industrial Ultramarina obteve a concessão de fornecer energia elétrica à cidade de Bissau durante 20 anos. Dois meses depois, a cidade de Bolama, capital da Guiné até 1941, começou a fornecer energia elétrica ao público (maio de 1930). Bafatá – como terceira cidade da colónia – ganhou acesso à eletricidade em agosto de 1932.
A criação destas três redes públicas de distribuição de eletricidade marca a primeira fase da eletrificação da Guiné no início da década de 1930, apesar de, já uma década antes, alguns pequenos serviços comerciais ou indústrias de Bissau (fábrica de gelo) e Bubaque (fábrica de óleo) terem sido abastecidos por geradores individuais.
As características das centrais
A central elétrica de Bissau, que se manteve inalterada entre 1930 e 1955, tinha dois geradores MAN de 72 kW, somando-se em 144 kW (em comparação: Bissau tem atualmente uma capacidade instalada em cima de 30.000 kW no Karpowership). Foram instalados numa pequena central elétrica junto ao atual campo Lino Correia (atual agência da EAGB). A rede de iluminação pública tinha 318 postes de iluminação. Compreendiam um total de 442 lâmpadas de 100, 75 ou 40 watts. A câmara municipal e o governo da colónia pagavam à companhia de eletricidade uma quantia fixa pelo consumo do serviço e da rede de iluminação pública – o consumo não era registado.
Em Bolama, um gerador de 65 kW fornecia eletricidade à cidade e alimentava a iluminação publica. O serviço era pago por kW-hora ou avença.
A rede de Bafatá foi a mas diminuta. A cidade era abastecida por um gerador de 18 kW. O pagamento do serviço era feito sob a forma de uma taxa fixa, dependendo do número das lâmpadas e tomadas utilizadas numa casa.
Os desafios da eletrificação na cidade de Bolama na década de 1930
Em 1935, cinco anos após a introdução do abastecimento público de eletricidade, a central elétrica de Bolama estava equipada com um pequeno gerador de 65 kW. Embora o gerador estivesse em bom estado, o quadro e a rede de distribuição e os contadores elétricos estavam mal instalados e já em estado de deterioração. As inteiras instalações tinham sido montadas de forma descuidada e já necessitavam de uma revisão geral. A Câmara Municipal atribuiu o facto à fraca experiência do pessoal responsável pela manutenção da central elétrica.
Mesmo 20 das 25 lâmpadas elétricas da central estavam avariadas. O material armazenado, por exemplo 100 lâmpadas, não era adequado para iluminação pública, uma vez que a sua potência (25 W) era demasiado fraca para iluminar as ruas.
O número de clientes tinha vindo a diminuir para chegar a 133 em 1935, causando assim dificuldades económicas para manter a central. As receitas da central apenas cobriam cerca de 65% das despesas anuais. Muitas famílias estavam ligadas à eletricidade, mas quase não a utilizavam; outras recusavam-se a instalar eletricidade, embora a legislação as obrigasse a fazê-lo.
Em geral, a eletricidade era utilizada principalmente para iluminação pública (71%), edifícios públicos (13%), enquanto apenas 10% eram consumidos por particulares.
Dez anos mais tarde, o abastecimento de eletricidade em Bolama pouco tinha evoluído. Em 1946 foram instalados dois geradores, de 46 kW e 65 kW, na central elétrica, com uma capacidade total de 111 kW.
A crise energética de Bissau de 1950
Pouco se sabe sobre as condições específicas em que o sistema elétrico em Bissau funcionou nos anos após a sua inauguração em 1930. Em 1950, os problemas já se tinham adensado numa crise energética. Os geradores (2x72kW) estavam desatualizados e eram insuficientes para satisfazer as necessidades básicas da cidade. Para poder ligar as casas particulares e as empresas, a iluminação pública tinha de ser reduzida todos os anos. Em comparação com o ano de 1930, havia menos 60% de eletricidade disponível para a iluminação pública, pelo que a iluminação pública tinha sido drasticamente reduzida. Algumas ruas ficaram completamente às escuras, enquanto nas restantes apenas sobraram luzes fracas, uma vez que as lâmpadas de 100 W foram substituídas por lâmpadas de 40 watts para poupar corrente. Grande parte dos refletores estavam corroídos e precisavam de ser substituídos.
A iluminação pública não chegava a todos os bairros da cidade: Santa Luzia, Alto Crim e partes de Chão de Papel ainda não estavam servidos de iluminação pública, enquanto outros nunca tinham recebido qualquer fornecimento de eletricidade.
Havia vários anos que os dois geradores funcionavam em paralelo durante as horas de ponta, mas ainda assim as quebras de tensão eram frequentes. Bissau estava a crescer, mas não havia capacidade para ligar imediatamente todos os novos edifícios. Assim, mesmo o palácio do governador e a catedral não podiam ser ligados sem aumentar a capacidade da central elétrica. Neste sentido, a colónia andou para trás, desabafou o Governador Rodrigues Serrão.
A crise energética foi resolvida com a inauguração da nova central elétrica em 1955, situada ao lado do atual matadouro de Bissau. Os dois geradores de 440 kW instalados foram suficientes para a livre expansão do consumo até ao início da década 1960, quando Bissau entrou numa nova crise energética.
Despachar geradores – eletrificar o interior sem plano. As décadas 1940 e 1950
Na mesma altura em que em Bissau se debatia com tantos problemas no fornecimento de energia elétrica foi introduzido, a partir de 1946, o sistema de geradores dispersos com redes isoladas nas cidades do interior. Não existia um plano de eletrificação do país, embora houvesse reflexões sobre uma rede elétrica nacional e uma central hidroelétrica no Saltinho (1950), que até hoje é discutida, mas nunca foi realizada.
Em 1946, o material para a eletrificação de Catió, Canchungo, Varela, Mansôa e Gabú foi despachado para esses destinos. Em 1948, a inauguração da central elétrica em Canchungo estava para breve. Catió recebeu iluminação publica e uma central elétrica no mesmo ano. Farim já tinha uma central elétrica, mas o respetivo gerador estava ainda em instalação. Na praia de Varela, a central elétrica estava em construção. É importante lembrar que nesta altura as localidades no interior eram muitas pequenas e a eletricidade foi somente fornecida para uma pequena percentagem da população. Mesmo assim, a administração tinha tantas dificuldades estabelecer o serviço.
A maioria das capitais de distrito apenas teve acesso à eletricidade no final da década de 1940. A maioria dos edifícios para instalar as centrais elétricas foi construída na década de 1950, por exemplo em 1953 em Bissorã, em 1954 em Bafatá ou em 1958 em Farim.
Estas centrais ficaram em serviço até ao primeiro programa de eletrificação do interior depois da independência, quando entraram em serviço as centrais russas e suecas (a partir de 1978).
Eletrificação – desafios passados e presentes – e projetos isolados de energia solar
O caso histórico dos primeiros 30 anos do serviço público de eletricidade na Guiné deixa patentes os desafios na eletrificação a partir de um sistema decentralizado. Muitos problemas, como os referentes aos pagamentos dos clientes e os desafios técnicos, são inerentes a esse sistema desde a época colonial. Assim, estes antecedentes ajudam a compreender os desafios da eletrificação em locais sem indústrias como principais clientes, sentidos até hoje nalgumas cidades do interior (Bambadinca 2015, Contúboel 2017, Bissorã 2018).
Notas
Projeto de pesquisa financiado pela fundação Fritz Thyssen, Alemanha
Dr. Manfred Stoppok – Universidade de Bayreuth, Alemanha
Este artigo foi publicado no jornal “O Democrata” – disponível online: